quarta-feira, 16 de novembro de 2011

MASOQUISMO DE UM ESCRITOR SOLITÁRIO

Acendo um cigarro e logo após algumas tragadas, percebo-me distraído com o repentino festival de fumaças que começam a me rodear. Vejo-as saindo de mim. Cheias de mim. Ainda com cheiro quente de pulmão. Tão despreocupadas e provocantes,  que se não fosse a insolência do ar ao se dissiparem diante dos meus olhos, talvez não sentiria tanta saudades, talvez não sentira tanto ciúmes!!
Tem de haver uma explicação para essa descabida traição! Como elas ousam levar este momento único de prazer? Dos poucos que ainda me sobraram, é o único que posso fazer sozinho além da masturbação ( esta cada vez mais sem graça).
Nem as putas com quem me deleito a noite esvaem-se assim repetinamente após suas gozadas secas nos meus úmidos lençois.
Tantos anos compartilhando o mesmo ar, as deixando penetrar em minha carne, intervindo em meu sangue, fazendo com que suas ideias nicotínicas chegassem a minha cabeça.... ah, não podiam simplesmente ignorar-me!
Fumei na esperança de companhia e é assim que me tratam. Vão embora como se tivessem algo mais interessante para fazer.
Quem sabe os ares de um cassino ou de um restaurante burguês as satisfariam e seriam melhor do que este conjugado escuro e mofado?
Imagino-as agora esvoançantes entre essas ruas boêmias, contando minhas intimidades para chaminés de alto-forno. E quando algum padeiro acordasse, ainda sonolento pela noite mal dormida, haveria de assar pães repletos de fofocas entre as lenhas.
E essa cidade, então, partilhariam a mesa o corpo dos meus segredos e digeririam aquilo que nem eu tenho coragem de digerir! Por falta de apetite moral ou preguiça poética.
Então, dominados pelo desejo fisiológico de se livrarem do indigesto, defecariam na primeira privada pela frente. Alguns segredos são tão laxantes quanto uma prosa mal escrita.
Talvez as fumaças sejam tão parecidas quanto algumas mulheres. E isso me conforta e perturba...como as próprias mulheres!
Quem sabe parando de fumar evitaria que mais de mim fosse roubado por essas Prostitutas do Tabaco?
Agora observo o maço  sobre a cama. Reflito. Três cigarros ainda me olham ressentidos; como escravas indiferentes à fuga das outras fumaças. Desvio o olhar, magoado e cheio de tesão. Resolvo escrever, escrever e escrevendo...
Eis que passam as horas e a última guimba do último cigarro do último maço crepita no cinzeiro ao lado do escritor masoquista.

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